natalia

terça-feira, 17 de março de 2015

Desculpas sinceras*


"Desculpa se o que eu disse te ofendeu de alguma forma, não foi minha intenção", disse a uma amiga, enquanto esperávamos a comida chegar, num restaurante.
"É, você realmente me ofendeu. Que bom que você reconhece isso."
Desviei o olhar e devo ter emitido alguma espécie de som provocativo, tipo "humm" ou "ééé".
"Você reconhece que me ofendeu, não reconhece?"
"Bom, eu reconheço que você ficou ofendida."
"Impressionante!", ela exclamou, batendo com as duas mãos sobre a mesa. "Você tá pedindo desculpas e continua achando que está certa."
"Sim, ué."
"Então seu pedido não vale nada! Não vou aceitar!"
"Mas quem foi que disse que um pedido de desculpas precisa ser sincero? Pedir desculpas é um ato de diplomacia, não de sinceridade."
"Você é inacreditável, Natalia."
"Desculpa."
Ela ficou em silêncio, de braços cruzados.
"Desculpa se eu tentei ser a pessoa maior", completei.
Então ela se levantou e foi embora, ofendida.
"Mas eu sou a pessoa maior. Eu sou dez centímetros mais alta que você. Ou mais", tentei me explicar. "Desculpa! Desculpa!", gritei, em vão, sem me dar conta de que o restaurante inteiro estava prestando atenção.
"Tá bom, desculpa pra vocês também", pedi. "Mas eu vou logo avisando que não estou sendo sincera."

*Texto publicado originalmente em 03/05/2010, mas minha opinião continua a mesma.

domingo, 15 de março de 2015

A quem interessar possa


Vez por outra acontece de alguém se sentir ofendido ou magoado quando se reconhece em algum texto deste blog. Queria dizer a essas pessoas que não escrevo sobre elas ou para elas. Se assim fosse, eu utilizaria um meio de comunicação mais eficiente. Eu escrevo sobre mim e para mim.

E sempre exprimi um ponto de vista assumidamente deturpado, não a verdade universal. Meus relatos são tendenciosos e quase sempre infantis, porque textos muito maduros e bem resolvidos não têm a menor graça e não servem ao propósito de um blog intitulado “Adorável Psicose”. (Talvez quando eu começar um blog chamado "Adorável Pessoa Madura e Bem Resolvida" a gente possa voltar a essa questão.)

Se eu retrato algumas pessoas como vilões detestáveis é porque faz parte da proposta ser maniqueísta. Não posso negar que há uma faísca de verdade por trás das palavras que escolho escrever, assim como as pessoas que se sentiram incomodadas não podem negar que, no fundo, nada do que está aqui vai fazer  diferença em suas vidas.

Supervalorizar as coisas ruins pode ser considerado algo autodestrutivo, mas não lembro de ninguém ter achado ruim ou errado quando isso serviu para construir minha carreira.

Fora deste blog, meus problemas são irrelevantes. Aqui eles são a coisa mais importante do mundo. Porque eles são meus. E eu sempre ouvi dizer que é importante dar valor àquilo que nós temos.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Hãn (ou Pega meu cordão umbilical e enfia na bunda)


Eu nunca sonhei em ter grandes fortunas. Exceto uma vez ou outra quando me ocorreu que “sim, agora seria um ótimo momento para ter um helicóptero”.  Gosto de comer bem e ter algumas coisas legais, mas não uso roupas de marca, não costumo comprar artigos de luxo, não tenho carro e não frequento lugares extravagantes. Eu comecei a ganhar dinheiro relativamente cedo e tenho guardado a maior parte desde então. Sou uma boa moça de classe média.

Tendo dito isso, confesso que estou planejando um super presente de aniversário para mim mesma. Sempre vislumbrei o dia em que poderia fazer viagens maneiras, ficar em hotéis lindos e comer em lugares incríveis e agora, prestes a completar 30 anos, finalmente consegui manejar a equação tempo X dinheiro.

Então imagine minha alegria quando contei à minha mãe sobre meus planos e em vez de um “vai nessa, aproveita, você merece”, ouvi um sonoro e retumbante: “hãn.” Aquele “hãn” que não diz nada, mas diz tudo ao mesmo tempo. Insinua que você não sabe o que está fazendo e, se sabe, está fazendo errado.

Uma pessoa próxima me contou que os filhos dela não dão um passo sem consultá-la. Que o filho mais velho, de quase 35 anos, não compra um azulejo sem pedir a opinião dela. Perguntei o que ela pensava disso e ela me respondeu que achava ótimo que eles a procurassem, assim tomariam sempre as melhores decisões.

Talvez ela esteja certa. É provável que muitas vezes nossas mães saibam qual é a melhor decisão a se tomar. Mas, talvez, por um excesso de proteção ou porque elas veem seus filhos como uma extensão delas mesmas, às vezes elas esqueçam que eles são pessoas diferentes, com personalidade própria, gostos, vontades e objetivos que podem ser distintos dos delas. E os filhos, ávidos por aprovação, também acabam se esquecendo disso.

Não vou julgar quem faz questão de sempre consultar os pais. Eu mesma já fui uma dessas. Aliás, eu costumava pedir conselhos a todo mundo, o tempo todo. Mas é bom entender onde acaba a prudência e onde começa a pura insegurança. Se eu não for capaz de fazer escolhas sozinha e pagar o preço delas, nunca vou deixar de ser uma pós-adolescente. Porque não basta ter independência financeira, é preciso também conquistar a autonomia psicológica.

Há alguns anos, minha tia me contou uma história melodramática sobre uma parente de uns 40 anos que nunca cortara o “cordão umbilical”. Lembro bem dela contar isso olhando diretamente nos meus olhos, como quem diz “entendeu, né, Natalia”. Na verdade, ela chegou a dizer “entendeu, né, Natalia”. E repetiu “entendeu, né, Natalia” algumas vezes.

Acabou que eu fui a única de todos os primos que saiu de casa sem nenhuma ajuda dos pais. Não devo nada disso à sentença que minha tia me deu anos atrás, mas sempre tive vontade de dizer  “agora pega meu cordão umbilical e enfia na bunda”. E quem sabe encerrar com um sucinto, elegante e materno: “hãn”.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Einstein, monstros e fome, muita fome


Eu acho que foi Einstein que disse - ou a internet atribuiu a ele - que é loucura fazer sempre as mesmas coisas e esperar resultados diferentes. E é claro que segundo Einstein - ou seja lá quem falou isso - eu sou completamente maluca.
Outro dia fiz um teste de sociopatia e passei, claro, que eu não vim ao mundo pra ser reprovada em teste nenhum. Uma das perguntas era se eu aprendia com meus erros. A resposta é: sim, eu deveria, eu inclusive sei quando estou prestes a fazer uma coisa errada, mas não consigo me conter. É como se uma força me puxasse para as profundezas do inferno e uma monstra assumisse temporariamente meu lugar. O problema é que quando a monstra vai embora não sobra ninguém além de mim para lidar com os destroços que ela causou.
Estou fazendo dieta há duas semanas e isso não me deixa nada feliz. E nada desperta mais um monstro interior do que a fome, podem ter certeza. Há quinze dias eu vivo literalmente em função de quanto tempo falta para a próxima refeição, lanche, unidade de castanha, qualquer merda comestível. Três horas passaram a ter um novo significado na minha vida: desespero.
Há dez anos, eu perdia cinco quilos em uma semana. Mas a 41 dias de fazer trinta, a matemática não é muito animadora. E foi isso que me fez pensar na frase do Einstein. Ou da Valesca Popozuda, até onde se pode confiar na internet. Se é realmente loucura fazer sempre as mesmas coisas e esperar resultados diferentes, eu só poderia ser insana de repetir todos os dias a mesma sequência inerte da depressão. Perder a mesma quantidade de tempo enrolando em vez de trabalhar com disciplina. Ficar jogada no sofá e reclamar que não faço nada, mas que amanhã com-certeza-talvez irei à academia. Pedir comida que não vale o que custa em vez de fazer a minha própria. E reclamar. Reclamar pra cacete.
Hoje eu fiz diferente. Hoje eu tomei coragem e fui à academia pela primeira vez em quase um ano. E fiz minha própria comida, limpinha, saudável e deliciosa - porque poucas pessoas sabem que eu sei cozinhar quando eu quero. Não posso dizer que não enrolei quase o dia inteiro e rendi menos do que deveria no trabalho, mas vamo lá, um passo de cada vez.
Segundo Einstein - ou Clarice Lispector - basta mudar uma coisa na sua rotina e pronto, você não é mais maluco. Meio naquela onda efeito borboleta de que um novo elemento, ainda que mínimo, pode mudar completamente o curso das coisas. Não que eu entenda bem desse assunto, mas sou a rainha da Wikipédia. E de acordo com a sabedoria popular da internet, eu vou ficar bem. Mas a verdade é que eu continuo com fome. Muita fome.

O texto acima foi escrito originalmente para meu blog novo "7 Metas para 2015", que a partir de agora será incorporado pelo Adorável Psicose.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Batendo Portas


Não sei quanto a você, mas eu bato portas. E eu não digo isso de maneira metafórica. Eu realmente sinto um prazer sadomasoquista em adentrar um recinto, em meio a uma discussão calorosa, e bater a porta na cara do meu interlocutor. Geralmente quando estou perdendo essa mesma discussão. Caso contrário, eu jamais deixaria o outro recinto. Porque se tem uma coisa que eu gosto mais do que bater portas – e olha que eu realmente gosto de bater uma portinha –, essa coisa é ganhar.
Na verdade, não é que eu goste tanto assim de ganhar. Ok, eu gosto de ganhar. Você gosta de ganhar. Todo mundo gosta de ganhar. Isso é óbvio. Mas o fato é que eu ligo muito menos para ganhar do que eu ligo para não perder. Eu realmente detesto perder. Eu odeio perder. Eu odeio muitas coisas nessa vida, confesso. Mas perder é algo inadmissível, insuportável, indigesto.
Quando eu era pequena – ok, quando era criança, porque pequena eu nunca fui –, e jogava War com os coleguinhas, fazia algo de que não me orgulho muito. Eu não sei se você já jogou ou se lembra de como era, mas quando uma pessoa começa a perder no War, dificilmente consegue se recuperar. Vai perdendo território atrás de território, até não sobrar mais nada. Até a humilhação completa. E quando eu percebia que estava sem saída, em vez de aceitar minha derrota com classe e elegância, eu me levantava da mesa, bagunçava o tabuleiro todo e me retirava do recinto. Provavelmente batendo alguma porta no caminho.
Faz tempo que não jogo War, mas minha postura diante das adversidades permanece muito semelhante. Por exemplo, digamos que eu estivesse saindo com um cara ótimo que dizia não estar pronto para um relacionamento, porém, dias depois mudou o status no Facebook para fulano-está-em-um-relacionamento. No caso, com outra. Por mais que eu forçasse um sorriso polido quando o encontrasse por aí, um sorriso semelhante à sequela de um derrame, por dentro eu estaria me levantando da mesa, bagunçando o tabuleiro do War e batendo todas as portas da casa.
Mas já faz algum tempo que não saio com caras-ótimos-que-na-verdade-são-sempre-péssimos. Há algum tempo eu moro com um cara ótimo que continua sendo ótimo. O que é ótimo! As únicas discussões que tivemos até hoje foram por razões estúpidas e sempre iniciadas por mim, que sofro de um vício incontrolável de bater portas.
Sim, meu nome é Natalia e eu sou uma batedora de portas. Poderia ser pior. Eu poderia estar matando, eu poderia estar rouband...ok, bater portas é ridículo. Eu sei que é ridículo, eu compreendo racionalmente o quão infantil é abandonar um cômodo da sua residência e entrar em outro ao som de uma batida de porta. E a coisa toda fica muito mais ridícula quando se mora em um sala e quarto de quarenta metros quadrados. Quer dizer, não tem muito para onde ir, nem muitas portas para se bater. 
Todo o drama envolvido no batimento de uma porta consiste no silêncio e no desconforto que se seguem após a batida. Mas quando o único banheiro da casa está no cômodo onde a batedora de portas se encontra, o drama acaba tendo que ser encurtado em razão de necessidades fisiológicas. A menos, é claro, que o interlocutor fosse ainda mais infantil e doente que a batedora de portas e decidisse se vingar fazendo as necessidades fisiológicas no sofá. O que até a presente data ainda não ocorreu. 
Quando um casal vive junto, o relacionamento entra em um outro nível. É muito diferente de quando se sai em encontros ou mesmo quando se namora. Você convive com o melhor e o pior de alguém, diariamente. Quando se discute ou se briga, não existe a possibilidade de cada um ir até a sua casa respirar fundo e ponderar. No meu caso, não existe sequer a possibilidade de cada um ir para um cômodo respirar fundo e ponderar. Tenho uma micro-cozinha americana linda, porém minúscula. E em algum momento alguém precisaria passar pela sala para abrir a geladeira e tomar uma água.
Isso sem contar com a divisão territorial da cama. Admito ser viciada na adrenalina de uma pequena discussão, mas, de alguma forma, o casal precisa se entender antes de dormir. É extremamente desconfortável fazer do seu colchão uma faixa de Gaza. Por mais orgulhosa que eu seja, dormir brigada é algo que considero fora de questão. Vamos ficar acordados até nos matarmos, mas se for para dormir, quero paz.
Deve ser por isso que minhas brigas nunca chegaram a durar muito. Seria inviável manter uma discussão por dias. Claro que eu ainda bato umas portinhas de vez em quando, mas tenho aprendido que admitir que estou errada não significa, necessariamente, perder uma discussão. Ok, mentira. É claro que significa. Mas perder uma discussão não significa, necessariamente, que você deixou de ganhar algo.
Quando você se levanta, bagunça o tabuleiro e se retira do recinto, você divide sua insatisfação com os outros jogadores, que provavelmente também vão terminar a partida bastante frustrados. Mas só porque ninguém venceu, não significa que você não tenha perdido. Aceitar que não se pode ganhar todas é uma conquista gigantesca
Ao bater portas, literalmente ou não, você se fecha para o diálogo, para a compreensão e, em última instância, para o seu crescimento. A obsessão por estar sempre certo e por não perder nunca é o que acaba, ironicamente, impedindo alguém de ganhar tantas outras coisas. Siga o conselho de uma batedora de portas. Vez por outra, vale mais a pena abri-las. 

(Texto escrito para Lola Magazine, publicado na edição de abril/2012)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A síndrome do parque de diversões


  Quando eu tinha uns três ou quatro anos, minha mãe me levou pela primeira vez a um parque de diversões. Não era lá um grande parque, mas supõe-se que as crianças têm essa vantagem de ser imaginativas e de se contentar com bobagens. Na verdade, as adultas também. Vira e mexe vejo amiga contando que conheceu um cara ótimo, que esperou um táxi com ela na rua e até mandou mensagem no dia seguinte. Daquelas criptografadas, do tipo “bom t v, bj p vc”. Quer dizer, o cara não se dá nem ao trabalho de escrever a palavra inteira, o que que custa escrever a palavra inteira?! É o nosso primeiro encontro, inferno, escreva a droga da palavra inteira!
  De todo modo, minha mãe conta que nunca esqueceu minha reação quando fui àquele parque. Ela diz que durante o passeio todo, eu estava sempre olhando para o próximo brinquedo, nunca para o brinquedo em que a gente estava. Como se eu estivesse o tempo inteiro buscando algo de fora, algo distante. Como se eu fosse incapaz de aproveitar o que estava bem ali, diante dos meus olhos, naquele momento. Ok, ela não disse isso. Mas me fez pensar. 
  Quando saí da casa da minha mãe e fui para o meu primeiro apartamento, tudo era novo e empolgante. Móveis para comprar, decoração para fazer, cortinas, tapetes, cacarecos diversos... e quando a casa finalmente ficou do jeito que eu queria, do jeito que eu sempre quis que a minha casa fosse, eu comecei a ficar inquieta. Passei sonhar com o meu próximo apartamento, aquele que ainda não posso bancar, com varanda, flores na varanda – mas tem que ser aquela varanda que só se vê em filmes europeus –, um animal de estimação, talvez um closet gigante. Ah, como seria ótimo ter um closet gigante...
  E em vez de relaxar e desfrutar da minha conquista, eu resolvi olhar para o próximo brinquedo, tal como aquela garotinha de três ou quatro anos, imaginativa. A diferença é que agora, eu não me contento mais com qualquer bobagem.
  Apesar de (ainda) não ter aquele closet gigante dos sonhos, nunca estive tão orgulhosa do meu guarda-roupa. Entenda que eu fui, por muitos anos, uma adolescente estranha, com roupas estranhas e nenhum talento para me produzir. Minha única referência de maquiagem era aquela Barbie da cabeça gigante, e eu lembro que quanto mais sombra azul e batom rosa eu tacava na coitada, melhor maquiadora eu me considerava.
  Eu comprava revistas de moda e pensava com todas as forças que um dia queria ser como uma daquelas mulheres. A fase de querer ser igual às modelos esquálidas felizmente já passou, pois aprendi a gostar do meu corpo como ele é. Ok, mentira. Eu continuo querendo ser exatamente como aquelas modelos esquálidas, mesmo compreendendo perfeitamente a função do Photoshop.
  Hoje eu não me sinto mais aquela garota estranha e deslocada. Mas, ainda assim... maldito parque de diversões e a obsessão pelo próximo brinquedo. Outro dia mesmo, quase gastei meu salário inteiro comprando uma bolsa Prada. Por sorte, o banco bloqueou meu cartão de crédito, sob a alegação de que eu estava realizando uma compra fora do meu perfil. Sábio banco. Mal sabia ele das indagações que aquele procedimento padrão iria despertar em mim.
  É inegável que isso tudo está ligado a uma certa tendência autodestrutiva. Não me leve a mal. Assim como você e o Will Smith, eu também estou à procura da felicidade. Mas tem dias que esse complexo do parque de diversões ataca com força. E em vez de aproveitar o meu brinquedo, eu me vejo olhando para os lados, inquieta, buscando sei lá o quê.
  Quando eu odiava meu trabalho e saía todas as noites, eu reclamava que as coisas não estavam acontecendo para mim. Quando as coisas finalmente aconteceram para mim e eu me enchi de trabalho, comecei a reclamar que não tinha mais tempo de sair e conhecer caras interessantes. Quando conhecia caras interessantes e eles não queriam nada sério comigo, eu reclamava que ninguém queria nada sério comigo e que eu iria ficar sozinha pra sempre. Quando eu conheci um cara interessante que quis algo sério comigo, eu comecei a reclamar que não sobrava mais tempo pra ficar sozinha.
  Por que raios isso acontece? Por que nunca estamos plenamente satisfeitos com o que temos? A inquietude é saudável até certo ponto, afinal, ter objetivos e vontades é o que nos move. Mas o que fazer quando estamos constantemente nos questionando se o que temos é realmente o melhor que podemos ter? E por que aquilo que não temos só parece melhor até o momento em que passamos a tê-lo? Como aquela bolsa Prada que eu nunca comprei. Será que na minha casa, dentro do meu guarda-roupa modesto, que não é um closet gigante dos sonhos, aquela bolsa seria tão linda, vermelha e brilhante? Provavelmente sim. A quem estou enganando, eu quero aquela bolsa agora.
  Outro dia, entrei em algum tipo de crise temporária, mais conhecida como “modo autossabotagem on”, e dispensei meu namorado, um cara legal de quem eu realmente gosto, para ir a uma festa à la solteira com os amigos. Só que os amigos também acabaram conhecendo caras legais. E eu fiquei sozinha.
  A ironia da coisa é que eu passei anos – eu disse anos – reclamando incessantemente sobre como eu queria encontrar alguém. Não que eu tenha problemas em lidar com a minha própria companhia, muito pelo contrário. Tem noites em que tudo o que eu quero é ficar sozinha em casa, vendo filme e bebendo vinho. Mas a perspectiva da solidão eterna me assusta. E quando eu finalmente encontro alguém legal que realmente gosta de mim, eu me apavoro e me coloco numa situação patética de solidão.
  Lá estava eu, absolutamente sozinha. Por opção, mas uma opção mal feita, pelos motivos errados. Eu escolhi o outro brinquedo no parque de diversões e tratei meu namorado como uma bolsa Prada esquecida no armário.
  Mas eu ainda estou aprendendo. Com sorte, vou saber apreciar uma boa volta na Roda-Gigante – apesar de achar a Roda-Gigante um brinquedo bobo e sem propósito, além de ter medo de altura. Com o tempo, a gente acaba conhecendo bem o parque que tem em volta e aprende quais são os brinquedos que valem a entrada. Sábios são meu banco e minha mãe, que enxergam muito além daquilo que eu mesma sei sobre mim.

 (Texto escrito para a revista LOLA, publicado na edição de nov/12)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Todas as responsabilidades do mundo


Imagine que a vida é uma página em branco do Word. Eu me vejo diante dela, pensando em como preenchê-la da melhor maneira possível. Porque se a vida se resumisse a essa página, a pressão sobre o texto aumentaria drasticamente. É como se, de repente, cada linha escrita se tornasse uma decisão crucial. Cada escolha de palavra, cada vírgula, seria um caminho sem volta – não fosse, é claro, pela tecla “delete”.
A página em branco é promissora. Ela é uma utopia. Tudo, absolutamente tudo pode ser feito nela. E é justamente por isso que ela é o ícone emblemático do bloqueio criativo. Quando estamos diante de todas as possibilidades do mundo, escolher uma delas se torna uma tarefa quase impossível.
Tenho vinte e sete anos. Faço parte da geração que foi apresentada à internet na adolescência. A partir daí, um universo de novas possibilidades se abriu e continuou se expandindo. Quando nos demos conta, a vida se tornou uma página em branco do Word. Só que online. E ditada por dois conceitos básicos da modernidade: a obsolescência e o banco de dados.
As pessoas da minha geração – e mais ainda das seguintes – passam a vida toda oscilando entre o passado e o futuro. O primeiro porque as timelines facebookianas, os históricos de e-mails e mensagens, o armazenamento quase que eterno de todo o conteúdo já postado na história da internet, não nos deixa esquecer jamais de que não podemos nos esquecer jamais. O banco de dados é para sempre e nosso passado nos condena. Para sempre.
Quanto ao futuro, já faz tempo que a Deus não pertence. Porque se pertencesse seria moleza. Ninguém sofria de depressão na Idade Média. Peste negra, sim. Ataque de ansiedade, certamente que não. E quando o futuro a nós pertence, voltamos àquela página em branco do Word. Aliás, eu juro que o Word não está patrocinando este texto.
Eu sei que é clichê dizer isso, mas vivemos numa época em que o futuro se torna obsoleto muito rápido. Tudo é muito “last season”. O único fator invariável é a nossa permanente insatisfação. Somos incapazes de nos sentir plenos porque a plenitude está relacionada com o presente, o agora. E por mais contraditório que isso possa parecer, as novas gerações não vivem o agora.
Fico assistindo a Mad Men, uma das minhas séries preferidas, ambientada nos anos 60, e fico pensando sobre como devia ser a vida daquelas pessoas. Outro ritmo, sem dúvida. Mas, principalmente, muito menos possibilidades. Nossos avós, e até mesmo nossos pais, viveram num tempo em que o campo de escolhas era bem mais restrito. Era tudo muito mais simples. Não tão simplório como na Idade Média, claro, até porque já existia a psicanálise e a solução para os problemas mentais não se resumia a trancafiar pessoas numa masmorra.
Tenho a impressão de que os jovens dos anos 60 e 70 viviam mais o presente. Nada mais “aproveite o agora” do que o LSD. Minha primeira e derradeira experiência lisérgica foi marcada justamente por ter sido a única – eu disse única – vez em que eu me senti vivendo o momento. Foram as horas mais plenas da minha vida, ainda que eu saiba que foram horas sintéticas.
E por que eu não me sinto assim no meu dia-a-dia? A resposta é inevitável. Página em branco do Word. A pressão pelo texto perfeito ou pela vida perfeita torna tudo muito mais aflitivo. Vivemos nesse limbo entre as frustrações passadas e as aspirações futuras. Entre um e outro, todas as possibilidades do mundo. É lindo, é poético, e é terrivelmente assustador. Porque escolher uma possibilidade implica em não escolher todas as outras. Toda ação carrega junto de si o peso de centenas de milhares de negações.
Eu, por exemplo, já passei da metade deste texto. Minha página em branco já não está mais tão em branco assim. Eu fiz escolhas dentro desse vasto, quase infinito campo de possibilidades. E vou ter que viver com elas. Eu e você, meu cúmplice, que está lendo.
Posso estar redondamente enganada, mas acredito que esse medo de escolher, esse bloqueio criativo da vida real, está, em última instância, ligado ao mais “roots” de todos os medos – o inexorável medo da morte. Quanto mais possibilidades nós temos, mais consciência tomamos de nossa condição efêmera, pois somos confrontados com o velho dilema de “o que fazer antes de morrer”. E queremos fazer tudo. Queremos ir para todos os lugares, conhecer todas as pessoas interessantes, trilhar todos os caminhos até esgotarmos todas as opções possíveis e existentes.
E nesse meio tempo, perdemos de vista o agora. É como se nossa geração tivesse assinado um compromisso velado de, haja o que houver, jamais perder tempo vivendo o presente. É um fardo que carregamos por termos sido contemplados com todas as possibilidades do mundo. Temos uma página inteira em branco, com todas as letras, símbolos e algarismos a nossa disposição e, mesmo assim, nos pegamos constantemente insatisfeitos com as palavras que formamos.
Se transpusermos isso tudo para a vida afetiva, então, fica mais que evidente qual é o cerne das nossas frustrações. Mesmo princípio da página do Word. Quanto mais possibilidades nos são apresentadas, mais inseguros ficamos. A incerteza é a única constante. Temos dúvidas sobre nossos sentimentos, dúvidas quanto aos sentimentos do outro, medo de nos tornarmos obsoletos, medo de repetirmos os erros do passado. E permanecemos insatisfeitos, especulando, especulando. Sempre olhando para os lados, em busca.
Não sou presidente de nada, mas “nunca antes na história” tivemos tantos caminhos a nossa frente. Tipo agora. Bem agora, quando você termina de ler meu texto, o mesmo texto que escrevi em minha página em branco. Aqui reside a prova incontestável de que toda escolha resulta em consequências. Estamos hoje diante de todas as possibilidades e todas as responsabilidades do mundo. Só não sabemos o que fazer com isso.
 
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